O Maior Plano de Injeção de Liquidez da História do Brasil

Niterói, 23 de março de 2020
Por Luiza Fernanda Lebarbenchon Zabot Lemos

Panorama

Hoje, pela manhã, pudemos testemunhar aquilo que foi "o maior plano de injeção de liquidez da história do nosso país", segundo declaração do presidente do Banco Central, BC, Roberto Campos Neto, que reconheceu a gravidade da crise, mas demonstrou tranquilidade frente à turbulência Corona.

Adicionalmente, afirmou que temos arsenal suficiente para vencermos a guerra contra os efeitos colaterais econômicos provocados pelo vírus.

Segundo ele, o BC antecipou os cenários negativos, garantindo vantagem estratégica.

No total, as medidas anunciadas tem potencial para liberar mais de R$ 1,2 trilhão.

Durante a crise de 2008, a liberação de liquidez totalizou R$ 82 bilhões.

Palavras-chave: Pequenas e Médias Empresas; Medidas Econômicas; COVID-19; Corona Vírus; Economia; Brasil.

Efeito Corona

Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde, OMS, recebeu o primeiro alerta sobre a contaminação.

Na ocasião, autoridades chinesas alertaram para o surgimento de uma série de casos de pneumonia de origem desconhecida na cidade de Wuhan, de 11 milhões de habitantes.

Menos de duas semanas após, em 11 de janeiro de 2020, autoridades sanitárias chinesas anunciaram a primeira morte de um paciente com COVID-19.

Em 13 de janeiro de 2020, a OMS notificou o primeiro caso fora da China.

No Brasil, o primeiro caso oficial de COVID-19 foi registrado em 26 de fevereiro de 2020, uma famigerada quarta-feira de cinzas.

Desde então, a rápida disseminação do vírus aprofundou bastante o cenário de crise nacional.

No mercado de capitais, houve uma profunda queda no apetite de risco pelos investidores, revelando o efeito flight to safity.

Esse fenômeno é marcado pela corrida mundial para ativos mais seguros, principalmente dólar e ouro.

Em decorrência disso, as empresas listadas na bolsa brasileira chegaram a perder mais de R$ 1 trilhão em valor.

Ultrapassada a fase inicial de pânico, marcada pela venda desenfreada de ativos, há a busca por ações de companhias que devam sofrer menos impacto com a crise, como as do setor elétrico.

Com tudo isso, grande parte das moedas sofreu desvalorização frente ao dólar, especialmente as de países emergentes, como o Brasil.

O ambiente de incerteza contaminou o mundo com a mesma voracidade que o vírus.

A imprevisibilidade no setor produtivo tem agravado a situação e gerado medidas para proteção.

Precisar a duração dessas turbulências ainda é um desafio.

Duas Ondas do Choque Econômico

Primeira Onda: Oferta

Inicialmente, o efeito foi mais localizado na Ásia, gerando problemas de cadeia de valor.

No Brasil, o temor era a ruptura no processo produtivo com consequente impacto nos empregos.

Vários componentes produzidos lá não chegariam às nossas fábricas, o que atrasaria a produção de bens não só no Brasil, mas em outros mercados, rompendo a cadeia de suprimentos de insumos.

Existia o entendimento de que a economia no Brasil é relativamente fechada, então o impacto seria menor.

Ao longo do tempo, grandes centros foram fortemente afetados - China e Coréia - gerando um comprometimento de exportação muito grande.

Segunda Onda: Demanda

BC se antecipou, projetando o cenário de lockdown na China.

Nesse modelo de quarentena mais restritivo, pessoas saudáveis também ficam em casa, em isolamento social.

Como consequência, a área de serviços iria sofrer forte impacto, o que de fato já está acontecendo aqui no Brasil.

Vale destacar que serviços representam 63% do nosso PIB.


Efeitos Colaterais

Os impactos econômicos ainda são incertos, mas mais severos do que o inicialmente esperado.

A incerteza quanto à duração da crise também afeta o padrão de consumo.

Para pessoas físicas, esse sentimento se traduz no comportamento de estoque de produtos.

Para PMEs, se revela na acentuada busca por liquidez.

Por isso, o BC precisa garantir liquidez para todo sistema, para ter certeza que vamos atravessar essa crise.

Evolução Cultural do Poupador Brasileiro: historicamente, as taxas de juros sempre foram altas, mas desde meados de 2018 que vivenciamos uma forte queda de juros nominais. O rompimento no padrão de juros acabou induzindo a mudança na cultura do poupador brasileiro, que acabou transferindo a poupança de um ativo de menos risco, a renda fixa, para um ativo de mais risco, renda variável, visando maior rentabilidade. Em março de 2019, o Ibovespa ultrapassou a máxima histórica de 100 mil pontos. O poupador tornou-se investidor.

Mundo Empresarial

Nessa conjuntura, as PMEs são as mais afetadas.

A incerteza quanto ao provisionamento de produção leva à corrida por liquidez.

Analisando o aumento do spread recente, principalmente nas últimas duas semanas, percebe-se que o custo para empresas tomarem dinheiro na ponta subiu, apesar de o BC ter reduzido os juros.

A decomposição desse spread revela que os bancos estão considerando outros fatores na precificação.

Esse cenário, então, acabou norteando a estruturação das medidas do BC.

Experiência Internacional

China

  • Era esperado impacto maior na produção industrial, mas o setor de serviços também sofreu forte impacto, seguido de ativos

  • Forte impacto no indicador de serviços

Estados Unidos

  • Aumento histórico nos pedidos de seguro desemprego

  • Contaminação generalizada dos ativos de alto risco, o chamado high yield, que são os ativos de renda fixa de maior risco que tiveram uma piora muito grande e perda considerável de valor

Progressão

Brasil

Situando o Brasil, ainda estamos em um ciclo anterior, o que garantiu a antecipação da forte contaminação do setor de serviços.

O impacto global aéreo merece destaque e é maior no setor de turismo, tendo em vista a altíssima taxa de cancelamento de passagens e passeios.

BC destaca acompanhamento setor por setor na economia real, dimensionando onde é mais urgente a atuação, para que todos os setores tenham condição de atravessar a crise com tranquilidade.

A análise do Sistema Financeiro Nacional, SFN, aponta folga nos índices de liquidez, cobertura de ativos problemáticos e Basileia.

Esse último mede a solvência de determinada instituição financeira.

Em resumo, nosso sistema está bem provisionado, bem capitalizado e com boa liquidez.

Principais Objetivos das Medidas

  1. Manter o sistema bancário líquido e estável, para fazer frente aos desafios que se apresentam;

  2. Garantir um sistema capitalizado, para que o canal de crédito continue a funcionar com normalidade;

  3. Oferecer condições especiais para que bancos possam rolar as dívidas dos setores afetados pela crise monitorando os créditos que saírem do SF, com o intuito de evitar eventuais contágios;

  4. Garantir que o mercado de câmbio funcione com normalidade, sem disfuncionalidades de liquidez;

  5. Manter as condições monetárias estimulativas para que o crédito sirva como canal de impulso ao crescimento, sem prejuízo ao objetivo de manter a inflação controlada.

Pacote de Medidas

No início do mês, já haviam sido implementadas quatro medidas.

Hoje, foram apresentadas mais oito.

Todas foram pensadas para assegurar três pilares:

  1. Garantir liquidez nova no Sistema Financeiro;

  2. Direcionar a liquidez para os setores mais afetados, principalmente às PMEs, que estão na área intermediária ou na área de serviços;

  3. Estabilizar o mercado.

Dentre os efeitos práticos das medidas, vale destacar a dispensa no aumento do provisionamento no caso repactuação, que permite que bancos e cooperativas rolem os empréstimos por até seis meses sem a cobrança de qualquer tipo de provisionamento, com o intuito de facilitar as negociações de créditos de empresas e famílias.

Inclusive, esse é um argumento importante de ser levantado na hora da negociação.

No total, as doze medidas liberaram mais R$ 1,2 trilhão de liquidez no mercado.

Nosso Parecer

As medidas serão excelentes, se, de fato, alcançarem efetividade.

É necessário assegurar a que o crédito alcançará a ponta, evitando a armadilha da liquidez, que nada mais é do que o empoçamento do crédito nos bancos.

Uma solução seria o Tesouro Nacional participar do risco de crédito, ou seja, garantir parte de uma possível inadimplência.

Com menos riscos, a tendência é um maior descongestionamento no acesso às linhas de crédito.

O BC comprometeu-se a acompanhar a situação de perto, principalmente no tacante à concessão de créditos às PMEs, que mais estão sofrendo com a crise.

Além disso, é fundamental que medidas excepcionais permaneçam somente enquanto as excepcionalidades perdurarem ou, em outras palavras, as medidas econômicas adotadas à Pandemia COVID-19 não poderão permanecer após a superação da crise.

Economistas são oníssonos em relação a esse ponto.

Empresárias e empresários, informação é poder.

Municiem-se e negociem!

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